sexta-feira, 7 de maio de 2010

Sertanejo - homem forte

O dia dedicado ao sertanejo foi o 3 de maio passado. Mas para mim, como sertanejo, todo dia é dia dedicado a ele, homem forte, de coragem e sensibilidade. Para muitos habitantes das cidades grandes, o sertanejo não passa de um caipira, com os traços caricaturais que ganhou desde a intensificação do êxodo rural, ocorrida depois que as indústrias começaram a se instalar no Sudeste, formando regiões metropolitanas. A impressão de quem vive nos grandes centros urbanos é de que a pessoa que vive no sertão, é geralmente, rude, inculta e avessa à vida moderna, como Jeca Tatu, personagem de Monteiro Lobato, famoso décadas atrás.

Quem não lembra de Jeca Tatu, o caboclo de barba rala, que vivia descalço, com os pés cheios de bichos; fumava cigarros de palha, usava chapéu também de palha e não tinha ânimo para trabalhar? Tem também o Chico Bento, personagem de história em quadrinho de Maurício de Sousa.

Mas não é esse sertanejo que conhecemos. Aliás, na Assembleia Legislativa da Bahia temos alguns bons e fortes sertanejos, a exemplo do colega Aderbal Caldas. Também sou homem do sertão, e não esqueço um só minuto da terra e da sua força.

O sertanejo é um bravo homem da terra. Vive na caatinga, um ambiente castigado pela escassez de chuvas e aridez. Poucas civilizações no mundo conseguem alcançar o feito dessa gente corajosa. Certos estão os poetas ao dizerem que o sertão impressiona, com seus ventos bíblicos, calmarias pesadas, noites frias, e as "pueiras", lagoas mortas, de aspecto lúgubre - o único oásis do sertanejo.

Ele sobrevive porque é uma raça forte. E convive com uma flora tão forte quanto ele, como o mandacaru e a algaroba. Forte como o juazeiro, que resiste para escutá-lo quando, sentado nos benditos e ensombreados lajedos, seca, com as ásperas mãos da labuta, o suor do rosto marcado pelas angústias da vida. Forte como o umbuzeiro, que resiste com o apoio das condutoras seivas que lhe são enviadas pelas prudentes e sábias batatas, revivendo, rebrotando e renascendo a cada chuva.

Como eles, o sertanejo suporta o suplício da seca. Conhece profundamente a flora e fauna e sobrevive com muito pouco. Água é uma dádiva que vê de vez em quando. Com todas as adversidades, ainda ama o sertão, e dificilmente se habitua a outro lugar. Desde pequeno convive com a imagem da morte. Sua grande vitória é chegar ao dia seguinte, comemorando o triunfo da vontade de viver.

O homem – e a mulher, é claro - do sertão merece toda a admiração devida por sua luta diária pela sobrevivência. O sertanejo baiano que não desistiu de vencer as agruras da seca vive em uma área de pouco mais de 74km² . Os moradores do sertão baiano somavam, segundo o censo de 2000, 1.586.880 pessoas.

Em seu livro Grande Sertão :Vereadas, Guimarães Rosa descreve que “ o sertão é o lugar onde o povo vive sua sina, seus sofrimentos, paixões e alegrias. O sertão é o umbigo do mundo.” Guimarães Rosa entendia bem como o sertão é amplo, bonito e triste, e verdadeiro; lugar onde se experimenta fortemente a vida e a morte.

Gostaria de terminar essa homenagem ao bravo sertanejo com a letra de uma música de Luiz Gonzaga e Zé Dantas, intitulada Vozes da Seca, escrita e dedicada aos políticos, homens como nós que tem a missão, nem sempre cumprida, de melhorar a qualidade de vida de todo um povo, neste caso, o povo do sertão :



Seu doutô os nordestino / Têm muita gratidão

Pelo auxílio dos sulista / Nessa seca do sertão

Mais doutô uma esmola / A um home qui é são

Ou lhe mata de vergonha / Ou vicia o cidadão



É por isso que pidimo / Proteção a vosmicê

Home pur nóis escuído / Para as rédias do pudê

Pois doutô dos vinte estado / Temos oito sem chuvê

Veja bem, quase a metade / Do Brasil tá sem cumê



Dê serviço a nosso povo / Encha os rio de barragem

Dê cumida a preço bom / Não esqueça a açudage

Livre assim nóis da ismola / Que no fim dessa estiage

Lhe pagamo até o júru / Sem gastar nossa corage



Se o doutor fizer assim / Salva o povo do sertão

Se um dia a chuva vim / Que riqueza pra nação

Nunca mais nóis pensa em seca / Vai dá tudo nesse chão

Cúmu vê, nosso distino / Mecê tem na vossa mão.

terça-feira, 20 de abril de 2010

Chuva que vem

Súplica da Natureza

Não faças isso comigo não, criatura, eu sou a tua mãe. Sou tão boa para tu e para teus irmãos todos.

Faça não. Sofro. Sofro muito. Tu fazes isso e eu vou me entristecendo, murchando e a cada momento perdendo vigor, energia, morrendo. Cada dia que passa tu vais fazendo assim: maltrata hoje, maltrata amanhã, todo dia, toda hora, sem parar um segundo, sequer. E olha que eu não te nego nada. Tudo que tens, eu te dei. Tudo que queres, eu te dou. Dou para você e meus outros filhos todos. Até os que nada pedem, não choram, nada dizem, sequer pensam, pois juízo não têm.

Eu quero continuar a servir a vida inteira, o tempo todo. Dia e noite, sem nunca parar.

"Papai" me criou ensinando a cuidar de vocês todos, preocupado no aperfeiçoamento, na glória, no bem. Até "os outros", os que vivem matando para viver, "respeitam" o que "Papai" ensinou. Só comem o tanto certo, sem acabar com a espécie da qual é "irmão". Aliás, um serve ao outro, constituindo uma família grande, bonita, harmoniosa, unida, repleta de tudo que é bom.

Vamos permanecer coesos, pensando um no outro. Não é preciso pensar em mim, não. Eu dou o meu jeito. "Papai" me dá forças. Pense em teus irmãos. Pense nos meus netos, nos teus filhos. Tu já pensastes se Adão e Eva não tivessem existido? Então, como você quer acabar comigo? Só eu tenho tudo que tu queres e nada te cobro, nada te peço. Só quero paz, respeito, sensibilidade.

Até a inteligência que tu tens e por meio dela me agrides, eu te dei. A força, a cor, a beleza, a saúde, o pão do sustento, a luz, a energia, o oxigênio de tocar o pulmão. A água de beber, coisa tão gostosa, tão boa. Eu te faço dormir, te faço até sonhar um sonho lindo, em lugar gostoso, de paisagens lindas, com amor. Até amar eu te ensinei. Eu te ensinei como fazer o teu próprio filho, a continuação de cada um.

Até filho meu que não é irmão seu, te serve tanto. Te ajuda. Sou eu que mando ele te servir. E você, o que me dizes, o que falas? Diga em que errei, onde errei. Eu te eduquei com amor, respeito e ordem. Te dei do vigor da força ao repouso eterno do cansaço que a vida traz.

Eu sou a única mãe que gera, pare, cria e depois recolhe ao ventre. A minha placenta é eterna e o meu leite nunca seca. Meu prazo de procriação está nas suas mãos, filho querido. Eu quero continuar parindo, criando, frutificando, te dando irmãos. Fecunda para tudo, para todos e para o bem.

Eu quero ver crianças a sorrir.

O bode

O embaixador da Caatinga

O Juazeiro já pode ser encontrado em Salvador. Ganhei uma muda do "pé de Juá", tão conhecido do sertanejo, e preferi plantá-la na área verde que cerca a Assembleia Legislativa da Bahia. Ao seu lado, entronizei uma placa em sua homenagem.

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

VAQUEIRO

BANCO GENUINAMENTE CIDADÃO



Cada qual do seu jeito e modo, externando a ordem emanada da vocação e formação, predicados norteadores para um juízo de crenças, valores e lutas.


Das últimas experiências vividas na atividade pública, a mais convidativa à reflexão foi encontrar um precário banco de pau montado por filhos de Tião e Djanira, residentes na comunidade Pau Ferro, nas entranhas do próspero e bem gerido município de Caculé.


Singelo, o utensílio se constitui em uma fina madeira de aproximadamente dois metros, "descansada" em duas forquilhas fincadas à margem da estrada vicinal que atende ao arrebalde e cercanias.

Nele, os "artesãos", a partir das seis, esperam o ônibus contratado pela municipalidade, que os conduz, juntamente a vários outros "estudantes da roça", para a sala de aula na cidade e, com isto, não mais à espera das chuvas, conforme tradição sertaneja. E assim "plantam" cotidianamente, para a obtenção da safra do saber - revolucionário veículo que diminui as distâncias e mais legitimamente atinge as aspirações que o verdor da vida alimenta, pouco importando o sonhador.


Sem dúvidas, num passado remoto, um sem fim deles não foram "convocados" a montarem bancos e, por conseguinte, deixaram de "alisar" bancos outros, possibilitadores de grandiosos vultos que nascidos iguais, pelas regras do "Criador", não foram "esculpidos" em decorrência das regras desiguais, impostas por uma sociedade que marca o rumo, o destino e a concretização dos sonhos de poucos, deixando "de pé" tantos fadados aos amargores da vida.

Que digam anônimos e heroicos professoras e professores leigos que previamente alfabetizados passaram a "arte" do saber a tantos que limitados no ter não alçaram voos grandiosos na vida, senão raríssimas exceções. Exemplo é um Dr. Jordão Antônio Nunes, Promotor Público aposentado pelo Estado de São Paulo, que aos 16 anos, em uma noite, na modesta morada no povoamento de Mateus, em Paramirim, aprendera o ABC com o "clarão" do parco facho do candeeiro, tocado à óleo de mamona, sob a regência de um daqueles "Aleijadinhos" de cidadãos cultos, reformadores sociais.


Diferente não foi Abraão Lincoln, defensor dos escravos, lenhador do mato americano que um dia dirigiu a mais portentosa nação do planeta, provador de sacrifícios semelhantes, vindo a se constituir num verdadeiro paradigma para homens públicos do planeta.

Foi desta forma que vi, analiso e compreendo o banco feito e utilizado pelos sertanejos filhos de Tião e Djanira.

Pena que no mundo contemporâneo muitos que não dispõem de um banco de pau na roça, e sim do ponto de ônibus na cidade grande, sejam tragados, corrompidos e seduzidos pelo germe do tráfico de drogas, restando-lhes a triste "graduação" da cadeia ou a antecipação do chamamento do Pai para o repouso eterno e, por tal, exige reflexões dos que se tocam com a avassaladora perda do ser na sociedade contemporânea.

(Junho/2009)